LANÇAMENTO HUB COVID-19

Em um momento de tantas dúvidas e incertezas, nós, profissionais da saúde, somos bombardeados com tantas perguntas e informações sobre o coronavírus, que fica bem difícil fazer um filtro e organizar o que chega. São inúmeros guidelines, artigos, portarias, fluxos, que fica até difícil saber qual a versão atual de cada documento.
Para ajudar nesse processo, a equipe técnica da FisioCTI, montou um hub, que será atualizado periódicamente, concentrando os principais assuntos sobre a COVID-19 . Essa estratégia visa disponibilizar para os profissionais, sempre que necessário, a maior quantidade de informações possíveis, classificadas e atualizadas sobre a SARS COV 2 e suas repercussões.

O acesso é gratuito e será liberado pelo link de cadastro para também gerarmos um banco de dados de profissionais que estão buscando atualização sobre a COVID-19. Para um acesso mais ágil, dê preferência a um email do gmail.

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Podem divulgar a vontade! Aceitamos sugestões para desenvolver o acesso com a melhor qualidade possível.

Um estranho plantão noturno

#‎Terça‬- feira noite#
Alfredo chegou às 19:15, um pouco atrasado para seu plantão noturno no Hospital federal do Andaraí. Saíra de casa bem agasalhado, a noite estava bem fria, com uma lua cheia brilhante e um vento atípico, que parecia sussurrar, algo de arrepiar a espinha.

Sentia como se algo fosse acontecer, um clima de suspense no ar, mas como não é dado a feelings, logo afastou essa sensação estranha e pôs se a trabalhar.

Deu uma volta pelos corredores do serviço de terapia intensiva. O CTI se dispõe como um retângulo, nas laterais os leitos, ao fundo, os medicamento e instrumentos, na frente, a porta de entrada, o lavabo, e ao centro, os computadores e as cadeiras. As paredes do CTI exibem relógios parados sempre no mesmo horário. Não há janelas.

Alfredo olhava leito por leito, na tentativa de lembrar os casos e ver se havia paciente novo, Antônio, Fátima, Maria, Celina, José e Regina.

Novamente, retorna a sensação estranha, sentiu o olhar dos pacientes penetrando sua alma, como se eles pudessem ver além de sua imagem, ver seus pensamentos. Ficou bastante inquieto, mas logo chegou o médico rotina, que ainda não havia ido embora e o tirou daquela nuvem de pensamentos inquietantes. Enquanto o rotina seguia falando sobre a evolução dos pacientes, Alfredo que não prestava mais atenção, buscava mentalmente uma justificativa para aquela sensação. Estou em jejum? Bebi muito café hoje? Tenho dormido mal. Retornando ao que o rotina falava, perguntou sobre o que havia acontecido com o leito 3 que estava vazio, paciente tinha subido para a enfermaria ou foi á óbito?

O rotina, com expressão pesarosa, disse que a jovem paciente de 25 anos tinha falecido. Lamentou a forma como as coisas se sucederam e seguiu passando os demais leitos. O residente também se juntou a eles, ouvindo. Os enfermeiros que normalmente se comportam como em uma feira de peixe, estavam atipicamente quietos, quase robotizados. Nenhum barulho externo além da voz do rotina ainda passando os casos.

Alfredo agora diante do leito 1 se paramenta para examiná-lo. Evita encarar o paciente para não deixar aquela sensação se exacerbar. É um paciente que sofreu um acidente vascular isquêmico, tem 56 anos e se chama Antônio. Como de praxe, João se posiciona ao lado do paciente preocupado em avaliar a parte neurológica. Avaliar a interação do paciente, se ele está orientado em relação ao espaço e ao tempo. Antônio está de olhos abertos, mas não interage com o examinador, é um olhar vago, longe. Alfredo examina suas pupilas, o chama pelo nome, tenta uma interação, pede que o paciente aperte sua mão e nada. João verifica ao lado que o paciente não está sedado e pergunta ao residente há quanto tempo o paciente está sem receber sedação.

De repente, o paciente aperta a mão de Alfredo, forte, o que o toma de assalto, um susto. Alfredo se depara agora com um olhar penetrante do paciente que balbucia “está chegando a minha hora”. Alfredo tenta esconder o susto e acalma o paciente que logo retorna ao seu olhar vago habitual.

Na cabeça de Alfredo ficava cada vez mais nítida a sensação de que algo estranho estava acontecendo embora ele oscilasse, ora confirmando isso, ora tentando ser pé no chão. Mas o que de estranho pode estar acontecendo? Nada, estou aqui trabalhando, normal, minha família está bem, não está acontecendo nada demais.
– Alfredo, dê uma olhada no leito 4, por favor. A frequência cardíaca está muito baixa. Disse a enfermeira.

Alfredo segue em direção ao leito quatro e de longe já avista o monitor marcando 52 batimentos por minuto. Alfredo fica alerta e verifica o pulso da paciente. Pulso forte, amplo. Conta ele próprio a frequência cardíaca, 120 bpm. Se dirige então a enfermeira:
-Verifique os fios, por favor.

Antes de sair, dá uma olhada de rabo de olho para a paciente, que estava dormindo, mas que parecia sorrir sarcasticamente para ele. Eu só posso estar ficando doido, ou alguém botou alguma coisa alucinógena na minha bebida, das duas uma.
Pede ao residente que passe a visita aos leitos e depois discuta os casos com ele. Alega muita dor de cabeça.

Contudo, antes de sair em direção ao quarto dos médicos, de repente, todas as máquinas desligam.

Silêncio absoluto no CTI.

A luz do teto pisca, uma, duas, três vezes, o relógio de pulso apita, é meia noite, a porta do CTI abre e fecha com a força do…vento?que vento? O que tá fazendo a porta abrir e fechar?
Um clima de tensão toma conta do CTI, médicos e enfermeiros se entreolham e essa é a última lembrança de Alfredo antes de se deparar deitado no leito 1, com os braços amarrados, como é de praxe para os pacientes mais agitados. Leito 2, a enfermeira chefe. Leito 3, o residente. Leito 4, o rotina. Leito 5, o técnico de enfermagem. Leito 6, outro enfermeiro.
Mas que diabos está acontecendo? Quando mal acabara de pronunciar essas palavras, Alfredo olha aterrorizado para o lugar onde normalmente se passa o round, centro do CTI, e se depara com os pacientes, rindo, falando, andando, to- dos.

Seu Antônio, antigo leito 1, se aproxima de Alfredo, devagar, arrastando o cateter vesical e demais acessos, acende um cigarro e pergunta: – E aí, o senhor sabe onde você está?
Ao que todos os antigos pacientes gargalham.
Alfredo: – O que?
Antônio: – Bota aí, Fátima, Alfredo não está LOTE. (Novas gargalhadas)

A cena era tão surreal, que os demais profissionais da saúde estavam mudos, perplexos com o que viam.
Antônio: – Eh, eu te disse que estava chegando a minha hora.

Regina subiu em cima da cadeira, com um copo de whisky na mão e disse:
– Vamos brindar!Vamos brindar ao melhor plantão da cidade do Rio de Janeiro!!
(Gargalhadas)
-Espera, espera, espera, está faltando nossa convidada de honra…uuuuuuuhhhhh
– Entra, Helena!

Eis que surge Helena pela porta do CTI, a paciente de 25 anos que havia falecido, envolta no plástico preto e diz:
– Nossa, isso aqui tá muito desanimado, parece até que morreu alguém.
(Gargalhadas sem fim)
Helena:- Vamos colocar uma música antes de passar a visita aos nossos pacientes.

Enquanto isso, Regina e José se divertiam um colhendo gasometria no outro e levando até a máquinha.
Regina:- Acidose mista!!! rs
José: – Alcalose respiratória!!! rs

Antônio propõe começar o round pelo leito 3, que será conduzido pela convidada de honra.
Celina começa a tocar violino.
Helena: – Gostaria de começar o round dizendo a frase preferida do nosso rotina: “Esse paciente teve dois azares. O primeiro de ter a doença e o segundo de ter procurado o hospital do Andaraí.”
(Risos)

Meu nome é Helena, tinha 25 anos e entrei aqui para tratar uma pneumonia. Tenho como comorbidade DM tipo 1 que estava descompensada quando cheguei aqui. Já no primeiro dia, fui puncionada pelo nosso residente, atual leito 3, que me deu de presente um pneumotórax. Ele até solicitou o Raio x pós punção, mas que lástima, foi embora sem verificar o Raio x.

Não demorou pra que eu tivesse uma parada cardiorrespiratória e fosse atendida por uma equipe completamente atrapalhada. Comprimiam meu tórax sem que a tábua de apoio fosse colocada atrás de mim, logo as compressões não eram eficazes, o carrinho do choque demorou pra chegar e alguém resolveu contar o tempo só depois da chegada do carrinho. Surpreendentemente voltei da parada, mas voltei diferente. Não sabia direito definir o que tinha me acontecido até escutar o rotina nomear no outro dia: “tadinha, ficou com o chip queimado, muito tempo de parada”.

Pois bem, fiquei com o chip queimado, vulgo vegetal, no auge dos meus 25 anos. Eu estava me preparando pra ser professora, ia me casar ano que vem. Adorava viajar e acreditava nas pessoas. Sobretudo, confiava na responsabilidade dos profissionais de saúde e vi aqui um mar de negligência e iatrogenias. Minhas últimas horas de vida foi como um vegetal, você tem noção de como é isso? Não consegui dizer tchau para minha família, não consegui viver meu amor, não consegui ter filhos. Minha vida foi brutalmente interrompida porque ele não esperou para verificar a p**** do Raío x!!! E eu ainda estava taquipnéica!!”

Celina neste momento para de tocar o violino e diz:
– Helena, fiz uma música em sua homenagem e gostaria de cantar pra vc:
(Tenha em mente o ritmo de Robocop gay- Mamonas Assassinas)

Um tanto quanto irônico
Ai com I maiúsculo
Vejam só minhas úlceras
Que com desdém cultivei

Minha perna é edema
Em formato cilíndrico
Sempre me apertam ao exame
Mas o porquê eu não sei

A minha vida não vale nada
Mas esse assunto é tão místico
Devido a um ato cirúrgico
Hoje eu me lasquei

O meu pulmão é mecânico
Com movimentos atômicos
Sou um amante de nora
Com direito a diálise

Um ser humano marginal
Sem direitos básicos
Foi numa punção profunda
Por onde eu me compliquei

E hoje estou tão mortinha
Com mil disfunções orgânicas
Ontem eu era tão iludida
Ai, hoje eu sou estatística

Você pode ser médico
Paciente ou professor
Se você mora no RJ
Morre a cada minuto

Você pode ser médico
Paciente ou professor
Tem gente morrendo de tiro
Indo trabalhar
Viva bem o presente
O amanhã é obscuro
453 homicídios
Só em abril…

Viva bem o presente
Mesmo que ele seja um caos
52000 roubos registrados
As olimpíadas vem aí…

Uma estatística, uma mera estatística, ah, é o que eu sou, ah, é o que você é é é ….

Helena: – Celina, estou emocionada, muito sensível sua música.
Celina: – Vou aproveitar e já passar o leito 1. Bom, Alfredo, nosso plantonista de terça noite, colocou no prontuário que eu estava no D1 de ATB tópico para minha infecção no ouvido. Internos e residentes continuaram, D2, D3, D4….D7!!! Hoje estou no D7, em tratamento somente no prontuário, nunca recebi o ATB e ninguém até então não verificou ou examinou meu ouvido. Tem cabimento? Todo mundo só toca o serviço. O papel nunca traz a verdade.

Helena: – Celina, eu também preparei algo pra você, fiz um poema:

Meu hospitais tem vários médicos
Em que não posso confiar
Os médicos que aqui trabalham
Não trabalham como no particular

Nossos cidadãos tem esperança
Nosso governo tem ganância
Nossos hospitais: iatrogenia, negligência e desesperança

E cismar, sozinha, à noite
Mais medo encontro eu cá
Meu hospital não tem remédio
Nem gente pra trabaiá

Minha cidade tem horrores
Que tais não encontro em outro lugar

Em cismar- sozinho, à noite-
Eu só penso em melhorar
Meu hospital não tem remédio
Nem gente pra trabaiá

Não permita Deus que eu morra
Sem eu que eu volte pra família
Sem que eu consiga um pouco mudar
Nossa sociedade também doentia
Sem qu´inda aviste solução
Onde canta a ética

Celinha: – Bravo!!!
Maria: – Peço permissão pra passar o leito 2 agora. Sim, temos mais um chip queimado aqui, com o agravante de que eu não morri. Ainda sou um vegetal.
Nossa enfermeira chefe demorou para reconhecer/avisar aos médicos que eu estava com uma severa hipoglicemia. Me dói muito ver minha filha tentando conversar comigo, queria poder dizer pra ela que a amo.
São tantos erros com consequências desastrosas. Erro vai, negligência vem e dificilmente há cobrança dos profissionais de saúde. Estão relaxados para se permitir errar. Lidam com pessoas pouco instruídas, como nós, sem alternativas, que dificilmente contestarão suas atitudes.
Hoje viemos aqui pra cobrar mudanças e nos vingar!!”

***Som alto de um alarme***
Alfredo acorda suado em sua casa, coração na boca, acabava de acordar de um pesadelo super estranho e estava atrasado para seu plantão noturno de terça noite no Hospital Federal do Andaraí.

Era uma noite bem fria, com uma lua cheia brilhante e um vento atípico…

Autora: Walesca Reis Ribeiro – Acadêmica da Escola de Medicina e Cirurgia da UNIRIO.

Vocação, sacerdócio ou mercado? Escolhi ou fui escolhido?

Muitos de nós, profissionais da área de saúde, somos tão apaixonados pela profissão que dizemos que não a escolhemos, mas que fomos escolhidos por ela. Será? Acredito que sim.

Entrar em um curso superior da saúde, não é uma tarefa impossível – embora seja difícil – mas implica em uma palavrinha chamada ABNEGAÇÃO. Abrir mão de uma coisa em prol de outra.

Significa deixar de lado muitas saídas no final de semana, estudar mais, se dedicar mais, enfim, é preciso querer muito. Mas até aí, tudo bem. Essa é a parte fácil.

Começa a graduação e você descobre que o curso dos seus sonhos era bem diferente do que imaginava, com especialidades que sequer havia ouvido falar. O sonho dourado começa a ofuscar, pois os professores apresentam um cenário mais perto da realidade que não é tão dourado assim, nem tão brilhante como os jalecos e estetoscópios dos nossos sonhos.

E aí vem os estágios… Os alunos se apresentam como se soubessem de tudo e descobrem que não sabem de nada ainda. A prática é um cheiro da teoria e que na verdade é a experiência que realmente conta. O conhecimento acadêmico é a base (essencial), mas a prática é fundamental. Afinal tratar da dor crônica de um paciente com livros é fácil, mas olhar nos olhos dele e sentir o quanto isso o incapacita é o que realmente importa.

Aparece no cenário uma matéria que não é dada em nenhum dos cursos de saúde: EMPATIA. Colocar-se no lugar o outro começa a te fazer entender que o ser humano não é um amontoado de células e sistemas. Muitos dos belos jovens sonhadores de jaleco desistem, afinal sentir a dor do outro é bem difícil… muito mais que passar em histologia ou entender o Ciclo de Krebs. Segurar a mão de um paciente jovem terminal que olha nos seus olhos em busca de uma fagulha de esperança é muito mais difícil do que aprender a origem, inserção, ação e inervação dos músculos. Nesse momento você começa a entender o peso que tem um jaleco branco.

A graduação termina, mas o pânico não. Você se forma, mas morre de medo de sair da faculdade, pois entende quão é importante a sua boa atuação e o quanto de esperança aqueles que cruzarem o seu caminho depositarão em você. Além disso, as incertezas do mercado do trabalho: pagamento sem carteira assinada, salário atrasado, saúde caótica, menos profissionais do que o necessário para um bom atendimento, exploração da mão de obra com salários muito abaixo do piso. Ninguém ensina como vai ser a vida profissional em termos práticos, o que fazer, ou qual caminho seguir.

Com muito esforço você consegue uma colocação no mercado. Nesse momento descobre a realidade da saúde brasileira. Vai ter que internar no corredor, pois o hospital estará super lotado e 3 pacientes graves precisando de um leito no CTI e apenas 1 vaga. Vai faltar antibiótico, gaze, sonda, ventilador e invariavelmente você vai perder um paciente porque o ventilador quebrou e não tinha outro, porque a ambulância não chegou, porque faltou o básico. Você sabia o que fazer, a equipe sabia, mas tinha como fazer.

Aqueles mesmos que você jurou cuidar quando estava de beca no dia da sua colação, com o braço esticado e com o coração cheio de amor e esperança, não serão muito simpáticos. Algumas vezes irão lhe ameaçar, xingar, reclamar quando depois de 12 horas ininterruptas de plantão você parar 15 minutos para jantar. Não serão poucas as vezes que ouvirá, que mesmo com salário atrasado há 3 meses você deve ir trabalhar, sem reclamar, mesmo preocupado em como honrará os seus compromissos.

E mesmo assim… você resiste. Sabe o motivo? Porque você vai se refazer ao olhar o sorriso de uma criança que melhorou ir embora, ao ouvir um paciente segurar a sua mão dizer muito “obrigada”, ao trazer de volta alguém que já havia cruzado a fronteira da vida, ao ouvir de um paciente “muito obrigada por não ter desistido de mim!” . Porque seu coração vai se encher de alegria quando um paciente desenganado conseguir levantar do leito pela primeira vez, quando no round for decidido que aquele outro que você passou noites cuidando, vai para a semi-intensiva para ter alta, quando na visita algum familiar te agradecer por ter dado o seu melhor.

Deitar a cabeça no travesseiro, nas poucas noites que passamos em casa, com a sensação de ter feito o seu melhor, é inenarrável. Sabe o que isso significa? Significa que a sagrada Ciência da Saúde te escolheu.

Formado, e agora?

O sonho de todo estudante é terminar a faculdade, mas o último período é no mínimo torturante, pelo menos para a grande maioria. Durante toda a faculdade muitas perspectivas são nutridas em relação ao futuro, mas nessa reta final, uma série de reflexões vem à tona e podem ser resumidas com uma simples pergunta: “E agora?”.

É necessária a prática, mas no estágio obrigatório para todas as carreiras da área de saúde, sabemos que o conteúdo visto é muito menos do que realmente precisamos. Afinal, como as ciências de saúde em geral podem ser resumidas como a “ciência do já visto”, como se sentir realmente apto para ingressar como ator principal (pelo menos na sua área de competência) na atuação direta com paciente?

Na verdade, por mais difícil que isso possa parecer, é necessário descer do pedestal, pois muitas das vezes nem percebemos que havíamos subido em um. Não somos Deus. E é importante fazer essa reflexão sobre o assunto. O poder da vida e da morte, da saúde e da doença não está em nossas mãos (ainda bem!). Sem entender isso não se sobrevive com sanidade mental. Em inúmeras vezes, apesar de nossos esforços hercúleos, eles não serão suficientes. Nem sempre teremos a terapêutica correta, seja ela qual for. Está além da nossa capacidade. Inclusive, uma excelente dica literária sobre esta abordagem é o livro “Mortais — Nós, a medicina e o que realmente importa no final” de Atul Gawande.

Nossa função? Utilizar de todo o arsenal que dispomos, sejam eles recursos materiais (tão escassos na situação da saúde pública atual), intelectuais, criativos, emocionais e, principalmente, humanos. Nosso desafio é entender que nossos pacientes não são um amontoado de células e sistemas, com uma série de monitores e bombas infusoras, aguardando exames e com um número de prontuário. São pessoas. Seres humanos com um nome, uma história, com pessoas que esperam por ele do lado de fora das pesadas portas da UTI. E nós? Quem somos nós? Somos os terapeutas que escolheram estar ali, mas também somos humanos. Não somos o título que carregamos ou número do carimbo do conselho que pertencemos, com um jaleco branco. Não somos infalíveis. Não temos superpoderes. Não somos Deus.

Nossos cursos de graduação, pós-graduação e residência estão preocupados em formar, mas não em informar. Quem nos ensinou que nós choraríamos ao ver um paciente morrer quando houvéssemos tentado todas as possibilidades? Quem nos ensinou que muitas vezes um sorriso vale mais do que morfina? Que olhar nos olhos daquele que está no leito e com verdade no olhar e apenas dizer ele vai se recuperar, talvez seja melhor que um antibiótico em alguns casos? Quem nos ensinou que nosso maior desafio não era a escolha certa do medicamento, do modo ventilatório, do tipo de curativo, mas sim o domínio das nossas próprias emoções quando tivéssemos que ver uma família dilacerada pela dor da perda, que nem nós mesmos aprendemos a lidar?

Tudo isso despenca como uma avalanche sobre quem se forma. A mão treme, porque sabe que agora é você o responsável pelo plantão e, algumas vezes, quase nem dá vontade de cruzar as portas no CTI e colocar o esteto no pescoço. E acredite você não terá todas as respostas, mas tem uma grande vantagem: a garra de querer buscá-las.

A segurança da repetição do cotidiano nos faz perder pouco a pouco a capacidade de buscar a resposta e acabamos esquecendo que por mais que passemos horas a fio de plantão, jamais saberemos responder todas as perguntas.
Parece redundância falar de tudo isso, mas é necessário. Ler esse post não vai tirar o medo que vai sentir na primeira PCR – Parada Cardio-Respiratória, nem na primeira intubação, mas acredite, é bem possível que você saiba exatamente o que precisa fazer, mesmo que o medo ainda te atrapalhe um pouco. Na sua prática clínica certamente haverá um pneumotórax, um acesso perdido, uma extubação acidental, mas depois que o nervosismo passar, aí sim, quando a ficha cair, vai entender que o tempo todo você sabia o que precisava fazer, desde que tenha se aplicado para isso.

Agora menino(a), respira fundo, e entende que em um CTI, quase nunca lembrarão do seu nome nem das vezes que você levou para casa as perguntas sobre o caso do seu paciente para melhorar sua conduta, senão com ele, com os próximos que encontrar pelo caminho. Mas tenha a certeza de que na sua mente, figurarão como em um filme todas as vezes que a sua atuação foi determinante, se por acaso, em algum momento da sua vida você pensar em desistir.

Queremos concluir, pelo menos hoje, com uma reflexão. O que vale a mais? A experiência do “já visto” ou a curiosidade da insegurança? Nossa resposta: O incrível balanço entre os dois extremos. Ninguém sabe demais ao ponto de já ter visto e aprendido tudo, nem é inexperiente o suficiente para não ter uma noção do que precisa fazer (caso contrário não teria concluído a faculdade). Portanto, no seu primeiro plantão como profissional, abra a porta do CTI com as duas mãos e ao olhar todos aqueles leitos, respire fundo e “se der medo, vai com medo mesmo”, mas não perca a oportunidade de se manter como um eterno aprendiz.