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Mobilização Precoce na UTI em pacientes em Ventilação Mecânica

RESENHA CRÍTICA – TAITO, Shunsuke et al. Early mobilization of mechanically ventilated patients in the intensive care unit. Journal of Intensive Care, v. 4, 2016.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Já é sabido o quando a mobilização precoce beneficia os pacientes internados em UTI. Nesse artigo, Taito et al, no entanto, questionam alguns conceitos, dentre eles o que se considera como “precoce” em relação a mobilização. Além disso, o artigo faz uma análise sobre os protocolos, critérios de inclusão (ou exclusão), eficácia e segurança da mobilização precoce em pacientes ventilados mecanicamente.

A FAUTI (Fraqueza Adquirida na UTI) é um conceito não mais questionado, que mostra-se presente em pelo menos 25% pacientes que precisam de mais de 7 dias de ventilação mecânica. Essa fraqueza mantem-se após a alta hospitalar, podendo chegar a 3% no momento da alta e 11% em 2 anos após a alta hospitalar para cada dia que o paciente permaneceu em ventilação mecânica.

Além disso, estudos com pacientes com SDRA demonstram que a diminuição da mortalidade revelou outra questão de grande importância. Após a alta hospitalar, foi relatada queda no prognóstico funcional e na qualidade de vida dessas pessoas, inclusive com dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, mesmo 1 ano após a saída do hospital.
EFICÁCIA DA MOBILIZAÇÃO PRECOCE

Um estudo de grande importância publicado em 2009 por Schweickert et al, estudou um n de 104 pacientes sob ventilação mecânica, dividindo-os em 2 grupos. O primeiro grupo recebeu cuidados da fisioterapia e da terapia ocupacional precocemente (em média 1,5 dias após início da VM). O segundo grupo recebeu os cuidados habituais, tendo iniciado a mobilização, em média 7,4 dias após o início da VM. Os resultados avaliaram o status de independência funcional na alta hospitalar e mostraram que grupo que iniciou a mobilização precoce, 59% do pacientes mostraram resultados positivos, em comparação com 35% do grupo convencional, além disso, o primeiro grupo ainda demonstrou períodos mais curtos de Delirium e menor tempo de VM.

Outro estudo, também de 2009, publicado pela Critical Care por Burtin et al, demonstrou os efeitos da mobilização em pacientes em VM. Nesse estudo 90 pacientes foram classificados em dois grupos, em um deles, realizavam além do tratamento padrão, 20 minutos de cicloergômetro durante 5 dias na semana. O outro grupo era submetido apenas ao tratamento padrão. Na alta hospitalar foi realizado o teste de caminhada de 6 minutos e no grupo que realizou o treinamento com cicloergometro, a distância percorrida pelo paciente foi significativamente maior. Foi constatada também maior força no quadríceps femural.

No entanto, nem todos os estudos corroboram a eficácia da mobilização na UTI.

Dois estudos randomizados com mais de 100 pacientes em VM, sendo um de 2013 (Denehy et al) e outro de 2016 (Moss et al) mostraram benefícios insignificantes nos pacientes submetidos a mobilização. Outro estudo de 2016, de Morris et al analisou 300 pacientes com insuficiência respiratória e submetidos a VM realizando mobilização passiva, exercícios progressivos de resistência e mensurou duração do tempo de VM, tempo de internação na UTI e alta hospitalar e função a longo prazo, comparando com os cuidados habituais, também não relatando diferenças significativas.

Porém, vale ressaltar, que essa diferença pode existir devido a o quão cedo começou a mobilização e a intensidade desses exercícios.

Em 2010, Vasilevskis et al, propôs o protocolo ABCDE:

A – Awake – Acordar
B – Breath – Teste de Respiração Espontânea
C – Coordenação do “acordar e respirar”
D – Delirium – Manejo e monitoração
E – Exercício – Mobilização Precoce

A implantação desse protocolo reduz o tempo de VM, diminui a incidência de Delirium e aumenta a taxa de mobilização ambulatorial precoce.

EFEITOS ADVERSOS

Em relação aos efeitos adversos, a mobilização precoce é considerada uma prática segura pela maioria dos estudos que demonstrou menos de 5% desses efeitos.

PROTOCOLOS E CRITÉRIOS DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO

Um fator complicador na análise dos estudos é que os critérios de inclusão/exclusão não são padronizados e não há protocolos aplicados.

Isso nos mostra que não há ainda um determinação da frequência, da intensidade, e da forma de realização de como a mobilização seja mais eficaz.

SITUAÇÃO ATUAL E NOVOS ESTUDOS

Embora seja um recurso comprovadamente seguro, pesquisas em vários locais indicam que a mobilização precoce não é comumente realizada. Quando realizada, a mobilização precoce em pacientes sob ventilação mecânica em sua grande maioria avança apenas até a realização de exercícios sentados, não passando para exercícios em pé e deambulação.

Uma exceção são as UTI’s japonesas, onde 40% dos pacientes realizam exercícios em pé.

 

IMPEDIMENTOS

Um estudo de 2016, publicado na ATS por Dubb et al, identificou 28 obstáculos a realização da mobilização precoce, desses, apenas 14 eram relacionados aos pacientes. O estudo ofertou ainda mais de 70 soluções ou estratégias para contornar essas barreiras.

Como sabemos, no entanto, a conscientização e colaboração de todos os membros da equipe multiprofissional é essencial para que a mobilização seja realizada de maneira adequada e o mais precocemente possível.

REFERÊNCIAS:

Schweickert WD, Pohlman MC, Pohlman AS, Nigos C, Pawlik AJ, Esbrook CL, et al. Early physical and occupational therapy in mechanically ventilated, critically ill patients: a randomised controlled trial. Lancet. 2009;373:1874–1882.

Burtin C, Clerckx B, Robbeets C, Ferdinande P, Langer D, Troosters T, et al. Early exercise in critically ill patients enhances short-term functional recovery. Crit Care Med. 2009;37:2499–2505.

Denehy L, Skinner EH, Edbrooke L, Haines K, Warrillow S, Hawthorne G, et al. Exercise rehabilitation for patients with critical illness: a randomized controlled trial with 12 months of follow-up. Crit Care. 2013;17:R156.

Moss M, Nordon-Craft A, Malone D, Van Pelt D, Frankel SK, Warner ML, et al. A randomized trial of an intensive physical therapy program for acute respiratory failure patients. Am J Respir Crit Care Med. 2016;193:1101–1110.

Morris PE, Berry MJ, Files DC, Thompson JC, Hauser J, Flores L, et al. Standardized rehabilitation and hospital length of stay among patients with acute respiratory failure: a randomized clinical trial. JAMA. 2016;315:2694–2702.

Vasilevskis EE, Ely EW, Speroff T, Pun BT, Boehm L, Dittus RS. Reducing iatrogenic risks: ICU-acquired delirium and weakness—crossing the quality chasm. Chest. 2010;138:1224–1233.

Dubb R, Nydahl P, Hermes C, Schwabbauer N, Toonstra A, Parker AM, et al. Barriers and strategies for early mobilization of patients in intensive care units. Ann Am Thorac Soc. 2016;13:724–730. doi: 10.1513/AnnalsATS.201509-586CME.

 

EBOOK - GUIA PARA UTI (1) (post)

Formado, e agora?

O sonho de todo estudante é terminar a faculdade, mas o último período é no mínimo torturante, pelo menos para a grande maioria. Durante toda a faculdade muitas perspectivas são nutridas em relação ao futuro, mas nessa reta final, uma série de reflexões vem à tona e podem ser resumidas com uma simples pergunta: “E agora?”.

É necessária a prática, mas no estágio obrigatório para todas as carreiras da área de saúde, sabemos que o conteúdo visto é muito menos do que realmente precisamos. Afinal, como as ciências de saúde em geral podem ser resumidas como a “ciência do já visto”, como se sentir realmente apto para ingressar como ator principal (pelo menos na sua área de competência) na atuação direta com paciente?

Na verdade, por mais difícil que isso possa parecer, é necessário descer do pedestal, pois muitas das vezes nem percebemos que havíamos subido em um. Não somos Deus. E é importante fazer essa reflexão sobre o assunto. O poder da vida e da morte, da saúde e da doença não está em nossas mãos (ainda bem!). Sem entender isso não se sobrevive com sanidade mental. Em inúmeras vezes, apesar de nossos esforços hercúleos, eles não serão suficientes. Nem sempre teremos a terapêutica correta, seja ela qual for. Está além da nossa capacidade. Inclusive, uma excelente dica literária sobre esta abordagem é o livro “Mortais — Nós, a medicina e o que realmente importa no final” de Atul Gawande.

Nossa função? Utilizar de todo o arsenal que dispomos, sejam eles recursos materiais (tão escassos na situação da saúde pública atual), intelectuais, criativos, emocionais e, principalmente, humanos. Nosso desafio é entender que nossos pacientes não são um amontoado de células e sistemas, com uma série de monitores e bombas infusoras, aguardando exames e com um número de prontuário. São pessoas. Seres humanos com um nome, uma história, com pessoas que esperam por ele do lado de fora das pesadas portas da UTI. E nós? Quem somos nós? Somos os terapeutas que escolheram estar ali, mas também somos humanos. Não somos o título que carregamos ou número do carimbo do conselho que pertencemos, com um jaleco branco. Não somos infalíveis. Não temos superpoderes. Não somos Deus.

Nossos cursos de graduação, pós-graduação e residência estão preocupados em formar, mas não em informar. Quem nos ensinou que nós choraríamos ao ver um paciente morrer quando houvéssemos tentado todas as possibilidades? Quem nos ensinou que muitas vezes um sorriso vale mais do que morfina? Que olhar nos olhos daquele que está no leito e com verdade no olhar e apenas dizer ele vai se recuperar, talvez seja melhor que um antibiótico em alguns casos? Quem nos ensinou que nosso maior desafio não era a escolha certa do medicamento, do modo ventilatório, do tipo de curativo, mas sim o domínio das nossas próprias emoções quando tivéssemos que ver uma família dilacerada pela dor da perda, que nem nós mesmos aprendemos a lidar?

Tudo isso despenca como uma avalanche sobre quem se forma. A mão treme, porque sabe que agora é você o responsável pelo plantão e, algumas vezes, quase nem dá vontade de cruzar as portas no CTI e colocar o esteto no pescoço. E acredite você não terá todas as respostas, mas tem uma grande vantagem: a garra de querer buscá-las.

A segurança da repetição do cotidiano nos faz perder pouco a pouco a capacidade de buscar a resposta e acabamos esquecendo que por mais que passemos horas a fio de plantão, jamais saberemos responder todas as perguntas.
Parece redundância falar de tudo isso, mas é necessário. Ler esse post não vai tirar o medo que vai sentir na primeira PCR – Parada Cardio-Respiratória, nem na primeira intubação, mas acredite, é bem possível que você saiba exatamente o que precisa fazer, mesmo que o medo ainda te atrapalhe um pouco. Na sua prática clínica certamente haverá um pneumotórax, um acesso perdido, uma extubação acidental, mas depois que o nervosismo passar, aí sim, quando a ficha cair, vai entender que o tempo todo você sabia o que precisava fazer, desde que tenha se aplicado para isso.

Agora menino(a), respira fundo, e entende que em um CTI, quase nunca lembrarão do seu nome nem das vezes que você levou para casa as perguntas sobre o caso do seu paciente para melhorar sua conduta, senão com ele, com os próximos que encontrar pelo caminho. Mas tenha a certeza de que na sua mente, figurarão como em um filme todas as vezes que a sua atuação foi determinante, se por acaso, em algum momento da sua vida você pensar em desistir.

Queremos concluir, pelo menos hoje, com uma reflexão. O que vale a mais? A experiência do “já visto” ou a curiosidade da insegurança? Nossa resposta: O incrível balanço entre os dois extremos. Ninguém sabe demais ao ponto de já ter visto e aprendido tudo, nem é inexperiente o suficiente para não ter uma noção do que precisa fazer (caso contrário não teria concluído a faculdade). Portanto, no seu primeiro plantão como profissional, abra a porta do CTI com as duas mãos e ao olhar todos aqueles leitos, respire fundo e “se der medo, vai com medo mesmo”, mas não perca a oportunidade de se manter como um eterno aprendiz.