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Formado, e agora?

O sonho de todo estudante é terminar a faculdade, mas o último período é no mínimo torturante, pelo menos para a grande maioria. Durante toda a faculdade muitas perspectivas são nutridas em relação ao futuro, mas nessa reta final, uma série de reflexões vem à tona e podem ser resumidas com uma simples pergunta: “E agora?”.

É necessária a prática, mas no estágio obrigatório para todas as carreiras da área de saúde, sabemos que o conteúdo visto é muito menos do que realmente precisamos. Afinal, como as ciências de saúde em geral podem ser resumidas como a “ciência do já visto”, como se sentir realmente apto para ingressar como ator principal (pelo menos na sua área de competência) na atuação direta com paciente?

Na verdade, por mais difícil que isso possa parecer, é necessário descer do pedestal, pois muitas das vezes nem percebemos que havíamos subido em um. Não somos Deus. E é importante fazer essa reflexão sobre o assunto. O poder da vida e da morte, da saúde e da doença não está em nossas mãos (ainda bem!). Sem entender isso não se sobrevive com sanidade mental. Em inúmeras vezes, apesar de nossos esforços hercúleos, eles não serão suficientes. Nem sempre teremos a terapêutica correta, seja ela qual for. Está além da nossa capacidade. Inclusive, uma excelente dica literária sobre esta abordagem é o livro “Mortais — Nós, a medicina e o que realmente importa no final” de Atul Gawande.

Nossa função? Utilizar de todo o arsenal que dispomos, sejam eles recursos materiais (tão escassos na situação da saúde pública atual), intelectuais, criativos, emocionais e, principalmente, humanos. Nosso desafio é entender que nossos pacientes não são um amontoado de células e sistemas, com uma série de monitores e bombas infusoras, aguardando exames e com um número de prontuário. São pessoas. Seres humanos com um nome, uma história, com pessoas que esperam por ele do lado de fora das pesadas portas da UTI. E nós? Quem somos nós? Somos os terapeutas que escolheram estar ali, mas também somos humanos. Não somos o título que carregamos ou número do carimbo do conselho que pertencemos, com um jaleco branco. Não somos infalíveis. Não temos superpoderes. Não somos Deus.

Nossos cursos de graduação, pós-graduação e residência estão preocupados em formar, mas não em informar. Quem nos ensinou que nós choraríamos ao ver um paciente morrer quando houvéssemos tentado todas as possibilidades? Quem nos ensinou que muitas vezes um sorriso vale mais do que morfina? Que olhar nos olhos daquele que está no leito e com verdade no olhar e apenas dizer ele vai se recuperar, talvez seja melhor que um antibiótico em alguns casos? Quem nos ensinou que nosso maior desafio não era a escolha certa do medicamento, do modo ventilatório, do tipo de curativo, mas sim o domínio das nossas próprias emoções quando tivéssemos que ver uma família dilacerada pela dor da perda, que nem nós mesmos aprendemos a lidar?

Tudo isso despenca como uma avalanche sobre quem se forma. A mão treme, porque sabe que agora é você o responsável pelo plantão e, algumas vezes, quase nem dá vontade de cruzar as portas no CTI e colocar o esteto no pescoço. E acredite você não terá todas as respostas, mas tem uma grande vantagem: a garra de querer buscá-las.

A segurança da repetição do cotidiano nos faz perder pouco a pouco a capacidade de buscar a resposta e acabamos esquecendo que por mais que passemos horas a fio de plantão, jamais saberemos responder todas as perguntas.
Parece redundância falar de tudo isso, mas é necessário. Ler esse post não vai tirar o medo que vai sentir na primeira PCR – Parada Cardio-Respiratória, nem na primeira intubação, mas acredite, é bem possível que você saiba exatamente o que precisa fazer, mesmo que o medo ainda te atrapalhe um pouco. Na sua prática clínica certamente haverá um pneumotórax, um acesso perdido, uma extubação acidental, mas depois que o nervosismo passar, aí sim, quando a ficha cair, vai entender que o tempo todo você sabia o que precisava fazer, desde que tenha se aplicado para isso.

Agora menino(a), respira fundo, e entende que em um CTI, quase nunca lembrarão do seu nome nem das vezes que você levou para casa as perguntas sobre o caso do seu paciente para melhorar sua conduta, senão com ele, com os próximos que encontrar pelo caminho. Mas tenha a certeza de que na sua mente, figurarão como em um filme todas as vezes que a sua atuação foi determinante, se por acaso, em algum momento da sua vida você pensar em desistir.

Queremos concluir, pelo menos hoje, com uma reflexão. O que vale a mais? A experiência do “já visto” ou a curiosidade da insegurança? Nossa resposta: O incrível balanço entre os dois extremos. Ninguém sabe demais ao ponto de já ter visto e aprendido tudo, nem é inexperiente o suficiente para não ter uma noção do que precisa fazer (caso contrário não teria concluído a faculdade). Portanto, no seu primeiro plantão como profissional, abra a porta do CTI com as duas mãos e ao olhar todos aqueles leitos, respire fundo e “se der medo, vai com medo mesmo”, mas não perca a oportunidade de se manter como um eterno aprendiz.