COMO O SUS ESTÁ ORGANIZADO – Linhas de Cuidado e a promoção da equidade (Parte 2)

Como vimos no post anterior, as Redes de Atenção à Saúde são a base da organização regional do SUS. Essas redes também podem se organizar de formas temáticas agrupando componentes variados e lógicos, mesmo que alguns componentes coexistam entre elas. Dessa forma,  requerem ações que englobam qualificação, informação, regulação, promoção e vigilância em saúde específicas para seu objetivo. 

Rede Cegonha – Atenção Materno-InfantilPré-natal
Parto e Nascimento
Puerpério e atenção à criança
Sistema Logístico – transporte sanitário e regulação
Rede de Atenção à Urgência e EmergênciaPromoção, proteção e vigilância à saúde
APS
SAMU
Sala de estabilização
Força Nacional de Saúde do SUS
UPA 24 horas
Hospital
Atenção domiciliar
Rede de Atenção PsicossocialAPS
Atenção psicossocial
Urgência e emergência
Atenção residencial de caráter transitório
Atenção em hospitais gerais
Estratégias de desinstitucionalização
Reabilitação psicossocial
Rede de Cuidado à Pessoa com DeficiênciaAPS
CER
Oficinas ortopédicas (local e itinerante)
Centros-dia
Serviço de atenção odontológica
Serviços de atenção domiciliar
Hospital
Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doença CrônicaAPS
Atenção especializada – ambulatorial, hospitalar, urgência/emergência
Sistema de apoio
Sistema logístico
Regulação
Governança
Redes temáticas e seus componentes

Dentro de uma Rede Temática temos  as linhas de cuidado, que são uma forma de articulação de recursos e serviços de saúde orientadas para promover um itinerário terapêutico dentro de necessidades específicas. Esse itinerário terapêutico pode ser entendido como o percurso que o paciente faz dentro do sistema de saúde, entre as diferentes unidades de atendimento, diagnóstico e tratamento. A intenção das linhas de cuidado é promover uma resposta ágil e eficiente para as condições de maior relevância epidemiológica.

Devido a amplitude de situações concentrada em uma rede temática, podemos ter mais de uma linha de cuidado vinculada à cada rede, que inclusive pode se interseccionar na medida das necessidades de cada indivíduo. 

A Atenção Primária à Saúde (APS), funciona como coordenadora desse itinerário e, com a articulação promovida com as linhas de cuidado, tem a intenção de proporcionar melhor comunicação entre as equipes e serviços, com foco na programação das ações a serem desenvolvidas e buscando uma padronização de atendimento. Essa organização protege o usuário no itinerário, pois promove a continuidade dos atendimentos, devido a coordenação de todo o processo pela APS. 

Assim, os objetivos das linhas de cuidado são:

  • Promover o cuidado centrado na pessoa e suas necessidades
  • Criar fluxos assistenciais  com planejamentos terapêuticos seguros em diferentes níveis de atenção
  • Estabelecer o itinerário terapêutico ideal de acordo com as necessidades de cada usuário

A operacionalização das atividades propostas pelas linhas de cuidado, no entanto, tem estreita relação com as Regiões de Saúde e as Redes de Atenção à Saúde (RAS), que falamos anteriormente em outros posts. Assim, o estabelecimento dos serviços necessários depende de uma boa articulação da RAS e da pactuação entre os integrantes dos diferentes componentes da Comissão Intergestores Bipartite (CIB). 

Atualmente, o Ministério da Saúde propõe as seguintes linhas de cuidado prioritárias listadas abaixo. Clicando em cada uma delas haverá o direcionamento para o portal com fluxos, protocolos e referências:

REFERÊNCIAS

  • PAIM, Jairnilson Silva (Ed.). SUS, Sistema Único de Saúde: tudo o que você precisa saber. Atheneu, 2019.

COMO O SUS ESTÁ ORGANIZADO – As Redes e os Princípios (Parte 1)

A Constituição Federal, de 1988, garante a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Isso não é o que acontece em todos os lugares. Em alguns países, como o EUA, por exemplo, qualquer serviço de saúde é pago, inclusive a lei americana exige que os cidadãos tenham um convênio particular. No Brasil, todos têm direito a saúde e gratuita e é por isso que o nosso sistema de saúde é classificado como universal.

A constituição ainda prevê que o Sistema de Saúde, que é único, seja integrado e organizado em forma de redes regionais e hierarquizadas. Essas características visam manter um sistema descentralizado, que proporcione atendimento integral e que incentive a participação comunitária. Tal arranjo organizacional é fundamental pra um país complexo, extenso e diverso como o nosso.

Com a implantação do SUS, a partir da 1990, houve ampliação do acesso às ações e serviços de saúde e nesse contexto surge a ideia das Redes de Atenção à Saúde (RAS). Essas redes, regulamentadas em 2011, surgem com a proposta de promover a integralidade do atendimento, por meio da integração de municípios, regiões de saúde e estados. 

Essa distribuição regional, também visa manter a equidade, ou seja proporcionar os serviços de acordo com as necessidades de cada perfil regional, promovendo sempre o acesso universal e a integralidade do serviços de saúde.

Porém, apesar da proposta da RAS de promover uma integração dos sistemas, a fragmentação dos serviços ainda é um dos grandes desafios do SUS. Dentre esses desafios, podemos destacar os diferentes modelos assistenciais, o alinhamento das competências em municípios e estados,  e o financiamento em saúde.  

É a RAS, portanto uma das unidades fundamentais para a organização do SUS com vistas a atender os princípios de universalidade, equidade e integralidade. Para isso, sua operacionalização deve possuir três elementos constitutivos: área de abrangência, estrutura operacional e sistema lógico de funcionamento, que determina o modelo de atenção à saúde.

Nesse sentido,  a área de abrangência das RAS visa estabelecer uma área geográfica e populacional que permita garantir tempo e resposta adequada às demandas e que possua a viabilidade operacional para prestação do cuidado. 

Já sobre a estrutura operacional, a RAS possui 5 elementos contituintes: APS (coordenadora do cuidado e dos fluxos e contrafluxos), atenção especializada, sistemas de apoio (prestam serviços à todos os níveis de atenção da rede), sistemas logísticos (soluções tecnológicas baseadas em tecnologia da informação) e governança (gestão, qualidade e financiamento).

O grande ruído para efetiva implementação das RAS é a negociação entre os gestores dos entes federados (municípios e estados), gestores dos serviços de sa´úde e prestadores de serviços. Tudo isso, além do caráter técnico, esbarra em interesses políticos. 

Para gerenciar todo esse processo foram criados os Comitês Executivos das RAS, que incluem a participação de prestadores de serviços, controle social  e representantes do Ministério da Saúde. Essa formação deve permitir uma integração entre os olhares técnico e político, promovendo uma governança adequada aos objetivos da RAS. Cabe, no entanto, à Comissão Intergestores Bipartite de cada estado (composta por representantes do estado e dos municípios), regular a formação desses comitês.

No post seguinte falaremos sobre Linhas de Cuidado e sua importância na resposta às necessidades epidemiológicas de maior relevância.

REFERÊNCIAS

PAIM, Jairnilson Silva (Ed.). SUS, Sistema Único de Saúde: tudo o que você precisa saber. Atheneu, 2019.

REGIÕES DE SAÚDE – Garantindo a integralidade do acesso aos serviços

O SUS é um sistema universal de saúde e essa característica, em um país de dimensões continentais e com tamanha complexidade como o Brasil, tornam o acesso aos serviços de saúde um processo extremamente difícil de ser gerenciado. Nesse cenário, visando garantir a integralidade da assistência à saúde, há uma descentralização político administrativa do nosso sistema de saúde.

No entanto, seria extremamente complexo manter todos os serviços de saúde em cada município. Para isso, são organizadas às regiões de saúde, pelo Decreto nº 7.508, de 2011, que por definição é um “espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização e o planejamento de ações e serviços de saúde.”

Nesse espaço, é necessário que no mínimo exista a disponibilidade dos seguintes serviços: 

  • atenção primária; 
  • urgência e emergência; 
  • atenção psicossocial; 
  • atenção ambulatorial especializada e hospitalar; 
  • vigilância em saúde 

A Atenção Primária à Saúde (APS), inserida nessa organização, funciona como porta de entrada no sistema, estabelecendo um elo entre a pessoa e o serviço que ela necessita e, ainda, atuando como ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Para que tudo isso funcione de forma ordenada, a RAS deve ser organizada de forma hierarquizada de acordo com a complexidade dos serviços. 

Vale ressaltar que a APS é a principal, mas não a única porta de entrada, constituindo-se também como meios de acesso a atenção de urgência e emergência, atenção psicossocial e os serviços especiais de acesso aberto.

Assim, além da delimitação geográfica de quais municípios irão compor a Região de Saúde, ainda é necessário que o estado estabeleça os limites geográficos e a população atendida, o rol de ações e serviços que serão disponibilizados, e as responsabilidades dos entes federativos relacionadas a sua execução e financiamento, além da acessibilidade e forma de oferta dos serviços.

O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é dividido em 9 regiões:

Para cada uma dessas regiões há um diagnóstico regional da saúde com informações demográficas, indicadores e os detalhamento dos serviços oferecidos. O planejamento, apontado no diagnóstico, é fundamental para que a União garanta o repasse de recursos, com base nas necessidades de cada região, visando diminuir as desigualdades. Esse planejamento é obrigatório para o setor público e sugerido para o setor privado.

Quanto à gestão, o gerenciamento das regiões é realizado pela Comissão Intergestores. Cabe a essa comissão definir como as políticas de saúde serão implementadas na região. Além disso, funciona como um espaço contínuo de negociação entre os gestores municipais e estadual, pactuando as regras relacionadas ao funcionamento da região. 

Todo esse aparato é ordenado pelo Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAPS) em que cada município e o estado estabelecem a divisão das competências, controle e avaliação. É uma forma de auto ordenação, com o estabelecimento das responsabilidades de cada integrante, permitindo, assim, um sistema organizado de forma sistemática, cooperativa e solidária.

Entendeu agora a necessidade do SUS ser descentralizado?

REFERÊNCIAS

Vigilância em saúde – o que é e para que serve

A Vigilância em Saúde é uma Política Nacional, regulamentada pela Resolução Nº 588, 2018 do Conselho Nacional de Saúde. Ela é definida como um processo constante de coleta, consolidação, análise e divulgação de dados relacionados à saúde com o objetivo de planejar e implementar políticas públicas de proteção da saúde, prevenção e controle de agravos e doenças, assim como a promoção de saúde. Essas atribuições incluem a regulação, intervenção e atuação em condicionantes e determinantes da saúde.

Essa política propõe uma interseção sobre algumas áreas da saúde como as vigilâncias epidemiológica e sanitária e uma ampliação do olhar da vigilância para a análise de condições que determinam e a saúde, com um planejamento de ações mais abrangentes. Além disso, propõe uma redefinição de práticas contruindo um modelo assistencial articulando ações em ação em diversos níveis, aspectos territoriais, processos de trabalho, envolvendo uma atuação intersetorial. 

Devido a essas questões, a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS) é definida como essencial para o SUS tendo caráter universal, transversal e orientador do modelo de atenção nos territórios, sendo a sua gestão de responsabilidade exclusiva do poder público.

Com essa lógica e tendo em vista que a saúde é universal, a vigilância em saúde deve estar presente em todas as instâncias e pontos da Rede de Atenção à Saúde do SUS e isso acontece na forma tanto na coleta e análise de dados, como na elaboração de conjunta de protocolos e linhas de cuidado, matriciamento, definição de estratégias e organização de processos de trabalho.

Porém, apesar de abranger todo território nacional, a vigilância em saúde deve ser priorizada nas área de maior vulnerabilidade social, visando diminuir as desigualdades. 

Estão inclusos na PNVS todos  os estabelecimentos de saúde, públicos e privados, além de estabelecimentos relacionados à produção e circulação de bens de consumo e tecnologias que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde.

Sendo assim, a finalidade da PNVS é definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do SUS, para o desenvolvimento da vigilância em saúde, visando a promoção e a proteção da saúde e a prevenção de doenças e agravos, bem como a redução da morbimortalidade, vulnerabilidades e riscos decorrentes das dinâmicas de produção e consumo nos territórios.

REFERÊNCIAS

TEIXEIRA, Maria Glória et al. Vigilância em Saúde no SUS-construção, efeitos e perspectivas. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p. 1811-1818, 2018.

http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2018/Reso588.pdf

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/p/politica-nacional-de-vigilancia-em-saude-1#:~:text=2%C2%BA%20A%20Pol%C3%ADtica%20Nacional%20de,Art.

Rede de Atenção à Saúde – Colocando em prática os princípios do SUS

A Rede de Atenção à Saúde surgiu com para proporcionar ao usuário a efetivação dos princípios do SUS: Universalidade (todos têm direito à saúde pública), Integralidade (cuidado promovido para atender às pessoas como um todo) e Equidade (tratar desigualmente os desiguais, promovendo o cuidado de acordo com as necessidades).

Nesse sistema de rede, instituído pela Portaria nº 4.279/10, do Ministério da Saúde, a saúde é organizada por pontos de atenção, tendo a Atenção Primária em Saúde (APS) como organizadora do processo. 

Na RAS há uma divisão da estrutura operacional, que deve funcionar da seguinte forma:

  • Centro de comunicação – APS
  • Pontos de atenção – Atenção Secundária (emergências, urgências e atendimentos especializados) e Atenção Terciária (serviços de alta complexidade)
  • Sistemas de apoio – diagnóstico e terapêutico, assistência farmacêutica, teleassistência e informação em saúde
  • Sistemas logísticos – registro eletrônico em saúde, prontuário clínico, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte em saúde
  • Sistema de governança – Gerenciamento, auditoria e controle da rede de serviços

A RAS foi idealizada para que, a partir da APS, a pessoa pudesse entrar no SUS e receber o cuidado em saúde de forma integral para atender suas necessidades. Dessa forma, as demandas primeiro seriam recebidas nas clínicas da família e o que ali não pudesse ser resolvido, seria encaminhado para atenção especializada, por um sistema de referência e contrarreferência. 

Isso significa que o contato não é interrompido quando a pessoa é encaminhada pela atenção especializada, muito pelo contrário. Ao receber o atendimento e ter sua demanda resolvida (ou acompanhada) na atenção secundária/terciária, o usuário retorna a clínica da família, que continua o acompanhamento de todas as demais questões de saúde. É isso que se chama de longitudinalidade

Por exemplo, uma criança possui um atraso no desenvolvimento motor identificado na consulta de puericultura (APS). O profissional responsável pela consulta encaminhará a criança para atenção especializada com uma referência (uma descrição do caso). O profissional na atenção secundária vai receber essa criança e dar início ao atendimento e enviará ao profissional da atenção primária a sua contrarreferência, com as suas informações, plano de tratamento, conduta e etc. Dessa forma, o profissional da APS, que continuará assistindo à criança, também terá as informações do andamento do atendimento em outros níveis de atenção, bem como exames e procedimentos. 

Para que essa rede funcione de forma adequada, no entanto, além da comunicação eficiente há uma série de questões que precisam ser tratadas. Manter uma APS forte e estruturada, qualificada para resolver demandas é o primeiro fator, pois nossa população possui uma enorme quantidade de condições crônicas de saúde que podem ser resolvidas ainda na APS e isso não ocorre por vários fatores como a falta de recursos humanos e materiais, ausência de cobertura, profissionais não qualificados para esse perfil de atendimento, dentre outros.

Além disso, como a demanda é muito grande, muitas vezes os serviços secundários estão voltados quase que exclusivamente para as condições e eventos agudos, o que faz os processos eletivos, identificados e encaminhados pela rede, demorarem e, em algum momento, complicarem e tornarem-se urgências. Lembrando que prevenir é sempre mais barato do que remediar. 

Para comprovar esse velho ditado, sobram artigos falando sobre o impacto desse sistema e organização em rede na redução da mortalidade cardio e cerebrovascular; e nas inequidades raciais destas internações; além da diminuição da inequidade no acesso aos serviços de saúde, entre outros.

Há ainda redes temáticas, que promovem essa organização em torno de situações específicas:

  • Rede de atenção à Saúde Materna e Infantil (Rede Cegonha)
  • Rede de Atenção às urgências e emergências (RUE)
  • Rede Atenção à Saúde das pessoas com doenças crônicas
  • Rede de cuidado à pessoa com deficiência

É muito legal, não é? É por isso que precisamos defender o SUS, para que tudo isso possa ser uma realidade efetiva por todos as regiões, permitindo que todos os brasileiros recebam esse cuidado. 

Vou deixar uma dica de um ebook muito legal (e gratuito) sobre o assunto! 

OLIVEIRA, Nerícia Regina de Carvalho et al. Redes de atenção à saúde: a atenção à saúde organizada em redes. 2015.